1. Introdução
O direito previdenciário brasileiro está em constante evolução, enfrentando desafios interpretativos que exigem uma análise minuciosa por parte dos operadores do direito. Um caso recente julgado pela Justiça Federal (TRF3, 9ª Turma, Apelação Cível n. 0019785-69.2018.4.03.9999) trouxe à tona uma questão crucial: a flexibilização das regras para a concessão de pensão por morte em situações onde o segurado do INSS perde sua capacidade laboral antes do óbito. Este artigo se propõe a analisar detalhadamente os aspectos jurídicos envolvidos, explorando as implicações para a jurisprudência previdenciária e os potenciais impactos para segurados e seus dependentes.
2. Contextualização do Caso
2.1 Fatos Relevantes
O caso em questão envolve um segurado do INSS, anteriormente atuante como pedreiro, que deixou de contribuir para a Previdência Social em janeiro de 2014, vindo a falecer em agosto de 2015. Os dependentes do falecido requereram o benefício de pensão por morte junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que indeferiu o pedido sob o argumento de que o falecido havia perdido a qualidade de segurado antes do óbito.
2.2 Questão Jurídica Central para o Segurado do INSS
A questão central deste caso gira em torno da interpretação do artigo 15 da Lei nº 8.213/91, que trata do período de graça, e sua aplicação em situações onde o segurado deixa de contribuir devido a uma incapacidade laboral.
3. Análise da Decisão Judicial sobre o Segurado do INSS
3.1 Fundamentação Legal
A decisão do Tribunal baseou-se primordialmente nos seguintes dispositivos legais:
- Artigo 15 da Lei nº 8.213/91 (período de graça);
- Artigo 74 da Lei nº 8.213/91 (pensão por morte);
- Artigo 77 da Lei nº 8.213/91 (com alterações da Lei nº 13.135/2015).
3.2 Interpretação Jurisprudencial
O Tribunal aplicou o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que “não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir para a Previdência Social em razão de incapacidade legalmente comprovada”. Esta interpretação visa proteger os direitos previdenciários do segurado do INSS que, por motivos de saúde, ficam impossibilitados de manter suas contribuições.
Citações relevantes de precedentes do STJ incluem:
- REsp 1.245.217/SP;
- AgRg no REsp 943.963/SP;
- REsp 956.673/SP.
3.3 Análise Probatória
O Tribunal deu especial atenção às provas apresentadas, incluindo:
a) Documentos médicos:
- Relatório médico do SUS de 27/02/2014;
- Exame e laudo médico de 12/02/2014;
- Relatório médico do SUS de 15/05/2014;
- Declaração médica de 15/05/2014.
b) Certidão de óbito, que indicava doença cardíaca como uma das causas da morte.
c) Depoimentos de testemunhas confirmando que o segurado havia deixado de trabalhar devido à sua condição de saúde.
Assim, o Tribunal deu especial atenção às provas apresentadas, incluindo documentos médicos e depoimentos de testemunhas confirmando que o segurado do INSS havia deixado de trabalhar devido à sua condição de saúde.
3.4 Aplicação da Lei nº 13.135/2015
O Tribunal considerou as alterações trazidas pela Lei nº 13.135/2015, que estabeleceu novos critérios para a duração do benefício de pensão por morte. Especificamente, aplicou o artigo 77, § 2º, V, c, item 2, da Lei de Benefícios da Previdência Social, determinando o direito à percepção do benefício por 20 anos para a companheira do falecido, que tinha 37 anos na data do óbito.
4. Implicações Jurídicas e Sociais da Decisão
4.1 Flexibilização da Interpretação Legal
Esta decisão reforça uma tendência jurisprudencial de interpretar as normas previdenciárias de forma mais flexível, priorizando a proteção social do segurado do INSS em casos de vulnerabilidade. Isso representa uma evolução na aplicação do direito previdenciário, alinhando-se com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção social.
4.2 Importância da Comprovação da Incapacidade
O caso destaca a relevância crucial da produção de provas médicas e testemunhais para comprovar a incapacidade laboral. Isso implica que advogados e segurados do INSS devem estar atentos à necessidade de documentar adequadamente qualquer condição de saúde que possa impactar a capacidade laboral.
4.3 Impacto nos Critérios de Concessão de Benefícios
A decisão pode influenciar significativamente a análise de casos similares pelo INSS e pelo Judiciário. Potencialmente, isso pode levar a uma revisão dos critérios administrativos para a concessão de benefícios em situações de incapacidade laboral do segurado do INSS, exigindo uma abordagem mais individualizada e contextualizada para cada segurado do INSS.
4.4 Proteção Social dos Dependentes do Segurado do INSS
Ao flexibilizar as regras para a concessão da pensão por morte, a decisão reafirma o compromisso do sistema previdenciário com a proteção social dos dependentes em momentos de maior vulnerabilidade. Isso está alinhado com o objetivo fundamental da previdência social de garantir meios de subsistência aos dependentes do segurado falecido.
5. Aspectos Processuais Relevantes
5.1 Termo Inicial do Benefício
O Tribunal fixou o termo inicial do benefício de forma diferenciada:
- Para os filhos absolutamente incapazes: data do óbito (31/08/2015);
- Para a companheira e filha maior: data do requerimento administrativo (14/12/2015).
Esta diferenciação está em consonância com o artigo 74 da Lei nº 8.213/91, que estabelece critérios distintos para o início do benefício dependendo da situação do beneficiário.
5.2 Correção Monetária e Juros de Mora
A decisão detalhou a aplicação de correção monetária e juros, considerando:
- A declaração de inconstitucionalidade da TR pelo STF (RE nº 870.947);
- A aplicação do índice SELIC a partir da EC nº 113/2021;
- Juros de mora desde a citação, com variações conforme a legislação vigente em cada período.
Isso demonstra a complexidade da atualização monetária em ações previdenciárias e a necessidade de estar atento às mudanças legislativas e jurisprudenciais nessa área, visando a proteção do segurado do INSS e seus dependentes.
5.3 Honorários Advocatícios
Fixados em 10% sobre o valor da condenação, observando o artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do CPC e a Súmula 111 do STJ. Este aspecto é particularmente relevante para advogados atuantes na área previdenciária, pois impacta diretamente a remuneração profissional.
6. Conclusão e Perspectivas Futuras
Este julgado representa um marco importante na interpretação das normas previdenciárias, especialmente no que tange à manutenção da qualidade de segurado em casos de incapacidade laboral. A decisão reafirma o caráter social da previdência, priorizando a proteção dos dependentes em situações de vulnerabilidade.
A flexibilização das regras para a concessão de pensão por morte em casos de incapacidade laboral demonstra uma tendência do Judiciário em interpretar as normas previdenciárias de forma mais alinhada com os princípios constitucionais, beneficiando o segurado do INSS e seus dependentes. Isso pode abrir precedentes para uma análise mais humanizada e contextualizada de casos similares no futuro.
Advogados, segurados e dependentes devem estar atentos a essa jurisprudência, que abre novas possibilidades para a concessão de benefícios previdenciários em situações que, à primeira vista, poderiam ser consideradas fora dos critérios legais estritos.
Por fim, é fundamental que os profissionais do direito previdenciário estejam constantemente atualizados sobre essas evoluções jurisprudenciais. A capacidade de argumentar com base em precedentes como este pode ser decisiva na defesa dos direitos dos segurados e seus dependentes perante o INSS e o Poder Judiciário.
Este caso serve como um importante lembrete de que o direito previdenciário, embora baseado em normas específicas, deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais e da realidade social dos segurados. A decisão analisada pavimenta o caminho para uma abordagem mais flexível e humanizada na concessão de benefícios previdenciários, especialmente em situações de vulnerabilidade causadas por incapacidade laboral.